Ética científica – parte I

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Esta é uma questão sobre a qual quero me ater sobremaneira, haja vista sua crescente importância quanto ao rumo da civilização especialmente devido aos avanços conquistados nos últimos dois séculos.

A ciência já nos levou à lua e nos fez ver a célula e o átomo, mas também trouxe consigo a bomba atômica…

É imprescindível, portanto, uma séria reflexão por parte da comunidade científica e também da sociedade civil sobre as questões éticas envolvidas nas pesquisas, sua utilidade pública e implicações socioeconômicas.

Em 2005 estas questões vieram à tona com o caso do Dr. Hwang Woo Suk, quando a comunidade científica mundial foi sacudida pelas denúncias feitas por membros da sua equipe e pesquisadores de outras partes do mundo.

Os resultados que o Dr. Hwang afirmou ter obtido eram de enorme relevância, pois representavam a primeira comprovação científica da clonagem de embriões humanos, colocando seu grupo de pesquisas e, principalmente, seu país (a Coréia do Sul) na fronteira das pesquisas envolvendo células-tronco. Infelizmente, todos os resultados publicados em periódicos de elevado impacto científico e divulgados mundialmente eram forjados.

Voltemo-nos rapidamente ao passado para compreender melhor o presente. Por muito tempo o mundo já foi açoitado pela “ignorância medieval”. Uma época de “sombras” em que o domínio sobre os povos era exercido sob a égide da religião, perpetrando a antiga política do “pão e circo”!

Muitas iniquidades foram cometidas contra aqueles que ousassem pensar além dos limites impingidos pela “Santa Igreja”. Taxados de “bruxos”, cientistas foram considerados hereges e queimados na fogueira por causa das suas ideias tidas como revolucionárias…

Por sorte este tempo já se foi, porém ainda sofreremos as consequências lamuriosas por muitos e muitos anos. Sobre essa problemática, o grande filósofo contemporâneo, Bertrand Russel, assinalou de forma inequívoca:

Não é de dogma que o mundo precisa, mas de uma atitude de investigação científica.

Tal atitude de investigação científica pressupõe, via de regra, uma formação acadêmica de primeira-linha. Acontece que, muitas vezes, o que é chamado de educação, em verdade, deveria significar o oposto…

Desde os primórdios da civilização antiga, logo quando a organização estatal foi instituída, a educação tem sido utilizada como meio de instrução social, segundo os interesses do Estado. Entretanto, paradoxalmente, uma sociedade bem instruída constitui o maior perigo àqueles que pretendem se manter no poder, com o intuito de fazer prevalecerem seus próprios interesses…

Em tempos de clonagem, transgenia, neuro e nanociências, já não existem mais limites para o que o homem possa fazer! Alguns dos resultados oriundos da pesquisa científica podem impactar diretamente na vida de milhões de indivíduos e trazer benefícios que certamente faziam parte dos “sonhos” daqueles mais obcecados por ficção científica…

Nanomáquinas capazes de processar microcirurgias, nanosensores que detectam doenças em estágios iniciais, curas de doenças por processos de manipulação genética, crescimento de órgãos oriundos do próprio paciente, que pode recebê-los em um transplante sem riscos de rejeição, cura de doenças degenerativas, cura de paralisias diversas, etc.

As únicas amarras ficam praticamente a cargo dos princípios éticos ou morais, dependendo do país e das leis que o regem. E é exatamente aí que reside o grande problema. Quando são os códigos de conduta morais, instituídos por essa ou aquela religião, que influenciam as prerrogativas dos Conselhos de Ética em pesquisa, pode-se limitar equivocadamente os campos de pesquisa em áreas importantes para o avanço da humanidade.

É o que se observou, por exemplo, com a questão da clonagem terapêutica. As pesquisas nesta área requerem o uso de células tronco especiais, as quais são extraídas de embriões recém-formados, com apenas alguns dias após a fecundação. Entretanto, a Igreja Católica insiste em apregoar que a vida existe desde o momento da fecundação, mesmo sabendo que a ciência já provou o contrário…

Assim como se considera a morte cerebral quando o cérebro pára de funcionar, a vida também só começa com a formação do sistema nervoso, o que ocorre somente depois do décimo quarto dia…

Só para se ter uma ideia dos avanços que o Projeto Genoma propiciaram, segundo estimativas do professor Richard Dawkins, em 2050, pelo preço atual de uma análise de raios-x, poderemos conhecer o “texto” completo de todos os nossos genes. O médico não nos dará mais uma prescrição convencional, mas sim aquela que se adequará com precisão ao nosso genoma.

Isto é maravilhoso, sem dúvida, mas nosso “texto pessoal” irá também predizer, com precisão alarmante, nosso fim natural… Será que desejamos tanto conhecimento? Mesmo que a resposta seja afirmativa, será que vamos querer que nosso código do DNA seja lido pelos agentes das seguradoras, pelos advogados dos processos de reconhecimento de paternidade e até mesmo pelo governo?

Mesmo numa democracia arraigada, nem todos ficariam felizes com essa perspectiva. De que maneira algum “futuro Hitler” poderia fazer mau uso desse conhecimento é algo que precisamos pensar desde já!

Sem dúvida, estas preocupações são imprescindíveis, tanto que a ONU, na Conferência Geral da UNESCO de 1997, adotou a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, marcada por questões político-científicas polêmicas como a manipulação do genoma humano, a clonagem e os transgênicos.

Presumo eu que todas as pessoas deveriam ler este documento na íntegra, pois se trata de um primoroso avanço para sociedade, reconhecendo que a pesquisa sobre o genoma humano e as aplicações dela resultantes abrem amplas perspectivas para o progresso, com a melhoria da saúde dos indivíduos, mas enfatizando que tal pesquisa deve respeitar inteiramente a dignidade, a liberdade e os direitos humanos, bem como a proibição de todas as formas de discriminação, baseadas em características genéticas.

Então a questão é simples: o que vale mais a pena? Salvar a vida de uma criança de nove anos de idade, condenada pela leucemia ou fazer uso de um punhado de células inócuas e acéfalas por um bem maior? A resposta é de cada um, mas a consciência social deveria ser de todos!

 

Créditos:

Autoria por ricardobarreto.com

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Saiba mais:

  1. Barreto, R. L. ÉTICA EVOLUCIONISTA: a razão da moral, 1a ed., Editor-Autor, 2008.
  2. Ethics and Fraud in Three cheers for peers, Nature, 2005, 439, 117.
  3. a) Woo Suk, H. et al.; Science, 2004, 303, 1669. b) Woo Suk, H. et al.; Science, 2005, 308, 1777.
  4. Fernando Coelho, Química Nova, vol. 29, No2, 185, 2006.
  5. Bertrand Russel, A Sociedade Humana na Ética e na Política, 216.
  6. Farias et. al. Ética e Atividade Científica, Campinas: Editora Átomo, 2006.
  7. Richard Dawkins, O Capelão do Diabo, São Paulo: Compahia das Letras, 2005.

 

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