PASSO 3: nossas palavras

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Quantos de nós nunca se arrependeu de ter dito algo no “calor da emoção” e feriu profundamente os sentimentos de alguém? Ou mesmo deixou escapar palavras que de nada valeram senão para inflar nossos EGOS e apaziguar complexos de inferioridade sem sentido! Sem falar dos casos em que a total ausência de algo de bom para falar denota simplesmente que a pessoa já perdeu quase que por completo o encantamento pela vida…

Não poderia ser mais cabível neste contexto se aquele famoso ditado popular fosse adaptado da seguinte forma: “é pela boca que se mede o valor de um homem“. 1 Por outro lado, não se pode conceber uma sociedade repleta de eremitas vivendo isolados dentro de si mesmos, nas “prisões” das grandes cidades… Decerto há uma forma única, libertadora e ao mesmo tempo ecumênica para mantermos o equilíbrio sem deixarmos de falar e nos comunicar efetivamente com os outros.    

Linguística do pensamento

Seja qual for o motivo da comunicação, as palavras são uma forma de manifestação física dos pensamentos. Nós não devemos nunca “vomitá-las” involuntariamente (pelos menos assim se espera). São, via de regra, antecipadas por um propósito, mesmo que este muitas vezes não esteja tão claro antes de proferí-las, mas subjacente ao escopo da conversa.

Acontece que os próprios pensamentos podem refletir necessidades não atendidas ou traumas mal resolvidos internamente que ficam retidos no nosso subconsciente. Aqueles que nós dificilmente enxergamos sem a ajuda de um psicanalista, talvez pelo simples fato de que não queiramos vê-los ou encará-los de frente… Devemos guardar o princípio de que somos seres impulsionados tanto por pensamentos como emoções, sendo que estas podem ter sua origem nos domínios mais recônditos da psique humana.

O “estado da arte” da autocognição reside, portanto, em como controlar as nossas palavras pelo próprio pensamento e não deixá-las à mercê, levadas puramente pelas nossas emoções ou pelo automatismo do momento. Vejamos alguns casos bem interessantes sob esta ótica.

Sobre a fofoca

Talvez uma das mais primordiais necessidades humanas seja a da fofoca. Sim, ela remonta ao tempo das antigas civilizações e dificilmente poderíamos imaginar uma vida em convívio social sem ela! Segundo Daniel J. Levitin, estudioso das neurociências pela Universidade McGill (Canadá),2 nós fofocamos basicamente pelos seguintes motivos mais evidentes:

“Ajuda a nos sentirmos superiores aos outros, enquanto somos inseguros sobre nós mesmos; e também para fortalecer ligações com os demais, testando suas alianças”.

Até aí sem muita novidade, quais sejam: autoconfiança e networking não faz mal a ninguém! O problema é que nem sempre a fofoca é verdadeira, podendo ser responsável pela formação de imagens equivocadas sobre a realidade (hoje conhecidas por fake news). É o que os psicólogos chamam também de “ilusões cognitivas”, as quais são muito difíceis de serem desfeitas.

Existem também certos falatórios bem mais profícuos como é o caso das “tertúlias” que por muito tempo influenciaram centenas de correntes de pensamentos mundo afora. Na sua essência podem acontecer entre amigos, familiares ou simplesmente frequentadores de um local que se reúnem de forma regular para discutir vários temas e assuntos com o propósito de disseminar conhecimento.

As tertúlias se espalharam pelo mundo nos séculos XVIII e XIX, associadas principalmente aos cafés filosóficos que abordavam temas diferentes numa clara divisão entre as correntes de pensamento da época. Delas participavam figuras icônicas da literatura e filosofia como Bocage e Fernando Pessoa no café A Brasileira de Lisboa. Hoje as tertúlias assumiram outras formas dentro do universo online através da blogosfera e canais no YouTube, porém a essência continua a mesma mesmo com propósitos bem diferentes…

Figura. Café A Brazileira em Lisboa: palco de tertúlias.

Não poderíamos concluir sem mencionar também a importância da “palavra escrita” por conta da sua capacidade de disseminação. Por muito tempo conviveu-se em sociedade sem a linguagem escrita, mas limitava-se assim o registro e a difusão das mensagens. A comunicação por meio de papirus, cartas e livros veio então romper com este gargalo de forma irreversível!

Em tempos não tão remotos os “copistas”, especialistas na tradição escrita, gozavam de grande prestígio social e foram os responsáveis pela transmissão de conhecimentos preciosos das civilizações antigas (dos egípcios aos romanos) que chegaram até o final da idade medieval, quando a invenção da imprensa propiciou um grande salto cultural para humanidade.3

Outro grande marco para propagação da “palavra escrita” veio recentemente com o advento da internet, tendo ganhado tamanha importância que propiciou a divisa de uma nova era: a Era da Informação. O que mais estará por vir?

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

Da obra no prelo CULTURA DE VALOR: aforismos para uma vida plena

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Saiba mais:

1. A Bíblia, nos Provérbios de Salomão, traz ensinamentos preciosos sobre o tema tais como o seguinte: “o que mede suas palavras possui a ciência; quem é calmo de espírito é um homem inteligente. Mesmo o insensato passa-se por sábio quando se cala; por prudente, quando fecha sua boca”.

2. Não deixe de conhecer mais sobre este “cientista da mente” em seu website. Acesse AQUI. Seus livros são o que se pode chamar de fabulosos: um verdadeiro tratado com a autoridade que se espera sobre tão complexo tema!

3. Para uma viagem maravilhosa e ainda ilustrada na história da invenção da imprensa, bem como a importância da palavra escrita, conheça a obra de Schrappe, Max H. G. em O Legado de Gutenberg, São Paulo: EP & Associados, 2002.

Ética religiosa

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Ao abordar tal assunto (reconhecidamente polêmico), muitas são as questões que vêm em nossas mentes. Uma delas, no entanto, tem sido constantemente suscitada nos dias de hoje, haja vista seu caráter de “ruptura” com muitos dos dogmas instituídos pela Igreja Católica ao longo da história do Cristianismo.

Eis o dilema: Jesus foi realmente mal interpretado? Veja. Não estamos falando de conduta moral, nem tampouco do “batismo de fogo” que poucos ainda perscrutam… Estamos diante, outrossim, de uma questão de ordem teológica, ligada ao estudo das escrituras sagradas, mais propriamente da Bíblia.

Mas será o “verbo divino”?

Tal foi o ponto de partida de um artigo publicado na revista Galileu,  em que mostra o quanto foi mal interpretado o “verbo divino” durante séculos e mais séculos de transcrições e pregações.

Já dizia João, o apóstolo, em seu primeiro versículo: “no princípio era o verbo”. E hoje, complementando, já não é mais só o “verbo”. Tem também “pronome”, “aposto”, “adjunto” e muito mais… [hehe]

Foram estas, efetivamente, as constatações de um dos maiores estudiosos de crítica textual religiosa do mundo, o Prof. Bart Ehrman, da Universidade da Carolina do Norte (EUA). Ele lançou em 2006 um livro seminal que está causando verdadeiro furor na comunidade religiosa. Ao mesmo tempo, devido ao seu teor científico, tem despertado grande interesse do público em geral. Mas, afinal, o que ele diz de tão impactante?

O poder dos “copistas”

Antes de mais nada, necessário se faz compreender o porquê desta controvérsia. Só para se ter uma ideia, a versão original do Novo Testamento só foi compilada em grego no século II D.C. Sendo assim, como na época pouquíssimos cristãos sabiam ler e escrever, imaginem o privilégio e o poder que os “copistas” desfrutavam em suas comunidades…

Sem falar da possibilidade de adaptar o texto aos interesses de pregação e manipulação, o que acontecia voluntariamente em muitos trechos, conforme poderemos ver em alguns dos principais exemplos exaltados por Ehrman. Só para começar, são desmistificados irrefutavelmente três dos maiores dogmas da Igreja:

  1. Santíssima trindade;
  2. Virgindade de Maria;
  3. Divindade de Jesus.

Primeiramente, em vez de “pai, filho e espírito santo”, o autor mostra que nos manuscritos gregos havia somente “o espírito, a água e o sangue”. Já o segundo dogma, fica patente na mudança textual observada no evangelho de Lucas (2,33). Na versão original tem-se: “… e seu pai e sua mãe ficaram maravilhados com o que se dizia dele…”. Já na versão modificada: “…e José e sua mãe ficaram maravilhados com o que se dizia dele…”.

Por fim, o conceito da divindade de Jesus, fica logicamente equivocado, segundo o trecho do Evangelho de Lucas, em que diz: “Pai, perdoai-os, pois eles não sabem o que estão fazendo”. Detalhe: este trecho foi simplesmente subtraído em algumas versões da Bíblia…

Só com estes pouquíssimos exemplos, presumo eu, já se pode ter subsídios mais que suficientes para responder assertivamente ao questionamento levantado no início, muito embora cada um possa ter suas convicções pessoais irredutíveis, sustentáculos de suas crenças, impedindo-os que vejam a verdade por trás das escrituras originais.

Discutir religião: pra quê?

A ética, indubitavelmente presente nas escrituras sagradas, não foi perenizada ao longo do tempo, sendo, pelas mãos dos homens, no vislumbre do poder eclesiástico, profanada a verdadeira essência de muitos dos ensinamentos cristãos. Por isso, em verdade vos digo, certo está Ehrman ao afirmar que:

A fé em Deus não se baseia nas palavras espalhadas em um livro, mas sim na experiência pessoal que cada um tem com Deus.

Esta experiência pessoal pressupõe que não existe uma religião certa ou errada. Continuo afirmando que Jesus era judeu e em nenhum momento quis instituir uma nova religião. Sua intenção, pelos relatos que nos chegaram aos dias de hoje, era tacitamente a de promover uma reforma contundente, sem “criar novas leis e sim fazer com que fossem cumpridas”.

Passados dois milênios, por outro lado, é muito comum vermos um verdadeiro “mosaico” de crenças religiosas, misturando conceitos e princípios já existentes há muito tempo. Se ainda sim você duvida, vá beber na fonte da literatura védica hindu e verás!

Surge, como resultado dessas novas “roupagens”, o esoterismo e suas mais variadas formas: um movimento que encanta a fragilidade das pessoas pelo seu lado místico. Não menos preocupante são os extremistas religiosos que, ao interpretarem a “palavra” ao pé da letra, cometem erros brutais e atentam contra valores universais sem a menor consciência de seus atos.

§

Ser ético, portanto, quando se fala em religião, antes de mais nada, é respeitar a crença do próximo, mesmo que discorde profundamente da sua posição. Sem tal postura, não adianta de nada sair de casa com um “livro sagrado” debaixo do braço!

Aos olhos de Deus, ou melhor, o que mais nos aproxima de fato dele, são as nossas atitudes em benefício dos outros e não somente de si mesmos… Isto é o que prima a ética religiosa. O mais é nada.

Créditos:

Autoria por Ricardo Barreto

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Saiba mais:
  1. Barreto, Ricardo de Lima, ÉTICA EVOLUCIONISTA: a razão da moral, 1a ed. Editor-Autor, 2008.
  2. Franco, E. Revista Galileu, outubro de 2006, No 183, 35-43.
  3. Ehrman, Bart D. O que Jesus disse? O que Jesus não disse?: quem mudou a Bíblia e por quê, São Paulo: Prestígio, 2006.
  4. Ler o capítulo Minha Religião, em Livrovivo: 2000-2002, Editor-Autor, 43-45, 2003.